g-NET Tipo 1: Atualização prática sobre o tumor neuroendócrino gástrico mais comum

Os tumores neuroendócrinos gástricos (g-NETs) são cada vez mais diagnosticados em endoscopias de rotina, especialmente o tipo 1, associado à gastrite atrófica autoimune e hipergastrinemia. Apesar de geralmente benigno, exige abordagem criteriosa baseada em histologia, grau de proliferação e contexto clínico. Este artigo resume de forma prática os critérios diagnósticos, conduta e acompanhamento recomendados, com base nas diretrizes atuais e experiência clínica.

Matérias Dr Eduardo Bonin

Os tumores neuroendócrinos gástricos (g-NETs) são neoplasias raras no espectro geral dos tumores gástricos, mas vêm sendo cada vez mais diagnosticados incidentalmente em exames endoscópicos de rotina. A ampla maioria corresponde ao tipo 1, uma entidade benigna na maioria dos casos, mas que ainda gera dúvidas sobre investigação, conduta e acompanhamento. Esta matéria visa oferecer um resumo clínico prático e atualizado sobre o g-NET tipo 1.


Classificação dos tumores neuroendócrinos gástricos (g-NET)

Na literatura especializada, os g-NETs são classificados em quatro tipos principais:

  • Tipo 1: associado à gastrite atrófica autoimune e hiperplasia das células enterocromafins (ECL).

  • Tipo 2: relacionado à síndrome de Zollinger-Ellison (gastrinoma) e, em geral, à Neoplasia Endócrina Múltipla tipo 1 (MEN-1).

  • Tipos 3 e 4: esporádicos, agressivos, não associados à hipergastrinemia, com alto grau de malignidade.

O tipo 1 representa mais de 70% dos casos, sendo o mais frequente e com melhor prognóstico.


Fisiopatologia do g-NET tipo 1

O tipo 1 está diretamente relacionado à gastrite crônica atrófica autoimune (GCAA). A destruição autoimune das células parietais reduz a secreção de ácido clorídrico, levando à hipergastrinemia compensatória crônica. A gastrina estimula as células ECL, que se multiplicam progressivamente, formando micronódulos neuroendócrinos múltiplos e, eventualmente, tumores.

Esse cenário clínico típico é composto por:

  • Atrofia gástrica (fundo e corpo)

  • Hipergastrinemia

  • Presença de anticorpos anti-células parietais e/ou anti-fator intrínseco


Diagnóstico histológico e classificação da OMS

A confirmação diagnóstica e a orientação da conduta dependem da biópsia endoscópica com imuno-histoquímica.

A classificação da OMS (WHO) divide os tumores neuroendócrinos de acordo com o grau de proliferação celular:

  • G1 (baixo grau):

    • Ki-67 < 3%

    • Índice mitótico < 2 mitoses / 10 campos de grande aumento

  • G2 (grau intermediário):

    • Ki-67 entre 3-20%

    • 2 a 20 mitoses / 10 CGA

  • G3 (alto grau):

    • Ki-67 > 20%

    • 20 mitoses / 10 CGA

O g-NET tipo 1 costuma ser G1, multifocal, subcentimétrico e restrito à mucosa/submucosa.


Conduta clínica e tratamento

Quando o g-NET tipo 1 for confirmado com características de baixo grau, a conduta recomendada é:

  • Lesões < 1 cm: remoção endoscópica simples, especialmente se únicas ou escassas.

  • Lesões múltiplas ou recorrentes: vigilância endoscópica regular.

  • Lesões entre 1–2 cm: avaliar caso a caso, com base no número, profundidade e grau histológico.

  • Lesões > 2 cm, alto grau (G2/G3) ou invasão da muscular: considerar imagem com PET-DOTA, dosagem de cromogranina A, estadiamento com TC e eventual abordagem cirúrgica.

Não há consenso sobre uso de análogos da somatostatina como terapia de supressão para g-NET tipo 1, embora estudos pequenos indiquem potencial benefício em casos de lesões múltiplas ou recorrentes.


Acompanhamento

Pacientes com g-NET tipo 1 devem ser acompanhados com:

  • Endoscopia periódica (intervalos entre 6 a 12 meses nos primeiros anos, individualizado depois)

  • Dosagem sérica de vitamina B12, com reposição se necessário

  • Monitoramento para sinais de metaplasia intestinal e risco aumentado de adenocarcinoma gástrico

A gastrite atrófica autoimune deve ser reconhecida como doença de base, com potencial de levar à anemia por deficiência de B12 ou ferro e manifestações neurológicas, além do risco aumentado de tumores gástricos.


Conclusão clínica

Apesar de seu nome impactante, o tumor neuroendócrino gástrico tipo 1 é, na maioria das vezes, uma condição benigna, indolente e tratável por via endoscópica. O maior desafio é o diagnóstico diferencial com os tipos 2, 3 e 4, que exigem uma abordagem mais agressiva.
A chave está na correlação clínico-patológica, especialmente com a histologia, os níveis de gastrina, o contexto da gastrite atrófica e a classificação da OMS.


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