Como conduzir o diagnóstico e seguimento dos cistos pancreáticos: do achado incidental à decisão terapêutica

Com o aumento dos achados incidentais de cistos pancreáticos em exames de imagem, saber diferenciar lesões de baixo e alto risco é essencial para evitar tanto tratamentos excessivos quanto o subdiagnóstico de lesões potencialmente malignas. Este artigo oferece uma visão prática, atualizada e baseada em evidências sobre como conduzir esses casos com segurança.

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Embora tradicionalmente considerados raros, os cistos pancreáticos são hoje um achado frequente em exames de imagem de rotina, especialmente em pacientes acima dos 60 anos. A maior resolução da ressonância magnética (RM) e da tomografia computadorizada (TC), somada à sua ampla disponibilidade, aumentou consideravelmente a taxa de detecção dessas lesões — muitas vezes de forma incidental.

Estudos demonstram que 10 a 20% dos indivíduos com mais de 70 anos apresentam cistos pancreáticos em exames de imagem, sendo que mais de 80% são lesões benignas. Entretanto, cerca de 1/6 dessas lesões apresentam potencial de transformação maligna, o que exige discriminação precisa do tipo de cisto e vigilância adequada.


Classificação e risco de malignidade

Cistos neoplásicos (com risco de malignidade):

  • Neoplasias intraductais papilares mucinosas (NIMP/IPMN) – ducto principal, secundário ou tipo misto

  • Neoplasia cística mucinosa (MCN)

  • Neoplasia pseudopapilar sólida

  • Tumores neuroendócrinos císticos

Cistos não neoplásicos (sem risco de malignidade):

  • Adenoma cístico seroso (SCN)

  • Cistos simples

  • Cistos linfoepiteliais

  • Pseudocistos (pós-pancreatite)

A distinção entre os tipos se dá principalmente por achados de imagem, sendo que a comunicação com ducto pancreático, presença de componente sólido ou vegetações, e o conteúdo mucinoso são marcadores relevantes de suspeita para neoplasias.

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Fatores de risco para transformação maligna

  • Tipo mucinoso (IPMN, MCN)

  • Diâmetro ≥ 3 cm

  • Dilatação do ducto pancreático principal (> 5-10 mm)

  • Presença de nódulo mural ou vegetações

  • Sintomas associados (pancreatite, icterícia, perda de peso, diabetes recente)

O tempo estimado para progressão de um cisto mucinoso para displasia de alto grau é de 3 anos em média, reforçando a importância do seguimento estruturado.


Exames complementares e conduta diagnóstica

Imagem inicial: TC ou RM com colangiorressonância são os exames de escolha.
Imagem de alta sensibilidade: Ecoendoscopia com possibilidade de punção aspirativa por agulha fina (PAAF) em casos duvidosos.

A PAAF apresenta rendimento diagnóstico limitado (cerca de 1/3 dos casos) devido à dificuldade de amostragem da parede cística. Biomarcadores biológicos, glicídicos e citogenéticos (como CEA, CA 19-9, KRAS, GNAS) têm valor complementar, mas não são suficientes para diagnóstico definitivo.

A biópsia da parede cística continua sendo o padrão ouro, embora de difícil obtenção. Métodos inovadores, como laser confocal por ecoendoscopia, permitem avaliação morfológica in situ, mas ainda com uso restrito.


Conduta clínica e terapêutica

A maioria dos casos será conduzida com acompanhamento periódico com imagem, considerando risco, idade e comorbidades.

Indicações de cirurgia:

  • Lesões ≥ 3 cm com risco

  • Nódulo mural ou vegetações

  • Displasia de alto grau confirmada

  • Dilatação importante do ducto principal

  • Sintomatologia clínica relevante

Tratamentos alternativos (uso restrito e em protocolo):

  • Injeção de álcool por ecoendoscopia

  • Ablação por radiofrequência guiada por ecoendoscopia


Dois casos clínicos que ilustram a abordagem atual

Caso 1 - Acompanhamento clínico:
Homem, 64 anos, assintomático, achado incidental de IPMN de ducto secundário com 13 mm. Sem fatores de preocupação. Conduta: RM de seguimento em 6 meses, 1 ano, e depois bianual.

Caso 2 – Indicação cirúrgica:
Homem, 76 anos, com pancreatite, novo diabetes, cisto de 29 mm com vegetações e dilatação do ducto principal (6 mm). Biópsia: displasia de alto grau. Conduta: pancreatectomia parcial. Evolução: sem câncer invasor, bom controle glicêmico.


Conclusão

A correta identificação do subtipo de cisto pancreático e o uso racional das ferramentas diagnósticas disponíveis são essenciais para definir se o paciente precisa apenas de vigilância ou se há indicação cirúrgica. Na dúvida, a referência ao especialista com experiência em ecoendoscopia e manejo de lesões pré-malignas é recomendada.

Acerca do Instituto MEVY

O Instituto MEVY é uma referência em gastroenterologia, oferecendo informações confiáveis e atualizadas sobre saúde digestiva para médicos e o público em geral. Fundado e dirigido pelo Dr. Eduardo Bonin, especialista renomado na área, o instituto se dedica à educação médica e à conscientização sobre doenças gastrointestinais, sempre com uma abordagem baseada em evidências científicas e acessível para todos.

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