Lesões Subepiteliais do Trato Gastrointestinal: Diagnóstico, Classificação e Abordagem Terapêutica Atualizada

Nem sempre visíveis a olho nu durante a endoscopia, as lesões subepiteliais do trato gastrointestinal representam um desafio diagnóstico. Entenda como essas alterações são identificadas, classificadas e quando exigem investigação mais aprofundada para afastar riscos e garantir o melhor cuidado ao paciente.

Matérias DR ARTURO BONIN

As lesões subepiteliais do trato digestivo são frequentemente identificadas como achados incidentais durante exames endoscópicos, com prevalência estimada em cerca de 1% das endoscopias digestivas. A maioria dessas lesões apresenta comportamento benigno, mas neoplasias como tumores estromais gastrointestinais (GISTs) e tumores neuroendócrinos exigem avaliação criteriosa. A ecoendoscopia com punção aspirativa por agulha fina (EUS-FNA) é a principal ferramenta para diagnóstico diferencial, permitindo a estratificação de risco e definição da conduta terapêutica. Neste artigo, revisamos os critérios diagnósticos, as características histológicas e as opções terapêuticas para o manejo dessas lesões.

1. Introdução
Lesões subepiteliais (ou submucosas) referem-se a processos expansivos localizados na parede do trato digestivo, situados abaixo do epitélio, e que podem originar-se da mucosa, submucosa, muscular própria ou serosa. Essas lesões são frequentemente assintomáticas e descobertas incidentalmente durante a endoscopia digestiva alta.

A natureza dessas lesões pode variar de alterações benignas (ex.: lipomas, leiomiomas e pâncreas ectópico) até neoplasias malignas com potencial invasivo, como os tumores estromais gastrointestinais (GISTs) e os tumores neuroendócrinos.

A avaliação dessas lesões envolve métodos endoscópicos e ultrassonográficos, permitindo caracterização estrutural e, quando necessário, realização de biópsias para confirmação histopatológica.

2. Epidemiologia e Classificação
2.1 Prevalência e Evolução Natural
Estudos demonstram que a maioria das lesões subepiteliais tem um curso clínico indolente. Em uma coorte com mais de 900 pacientes acompanhados por dois anos, apenas 8% das lesões apresentaram crescimento, e um terço desses casos necessitou intervenção terapêutica.

A presença de crescimento acelerado, tamanho acima de 2 cm e alterações vasculares na avaliação por ecoendoscopia com Doppler são indicativos de maior risco de malignidade.

2.2 Principais Etiologias
As lesões subepiteliais podem ser classificadas de acordo com sua origem histológica e comportamento biológico:

✔ Benignas

Lipoma (tecido adiposo submucoso)
Leiomioma (proliferação de músculo liso)
Pâncreas ectópico (tecido pancreático ectópico na parede gástrica)
✔ Neoplasias Potencialmente Malignas

Tumor Estromal Gastrointestinal (GIST)
Tumor Neuroendócrino (TNE)
Os tumores neuroendócrinos são subclassificados em quatro tipos com base em sua diferenciação celular e taxa proliferativa, sendo os TNEs tipo 1 os mais comuns e geralmente indolentes quando <2 cm.

3. Diagnóstico Diferencial e Métodos de Investigação
A diferenciação entre lesões benignas e malignas não pode ser feita apenas pela endoscopia digestiva alta. O exame fundamental para caracterização da lesão é a ecoendoscopia (EUS), que fornece dados detalhados sobre:

Camada de origem (mucosa, submucosa, muscular própria)
Textura da lesão (homogênea, heterogênea, cística ou sólida)
Presença de vascularização (indicativo de neoplasia)
📌 Ecoendoscopia com Punção Aspirativa por Agulha Fina (EUS-FNA)
Quando factível, a punção por agulha fina permite a análise histopatológica, diferenciando tumores benignos de lesões malignas ou pré-malignas. O rendimento diagnóstico da punção aumenta proporcionalmente ao tamanho da lesão.

Lesões <2 cm frequentemente não apresentam material suficiente para análise citológica, tornando o diagnóstico presuntivo baseado em achados de imagem.

4. Conduta Terapêutica e Indicações de Tratamento
A conduta depende do tipo histológico presumido, tamanho e sintomas do paciente.

4.1 Acompanhamento Clínico
Lesões benignas confirmadas (ex.: lipomas, pâncreas ectópico) não requerem acompanhamento.
Leiomiomas podem ser monitorados por endoscopia seriada, especialmente quando <4 cm e assintomáticos.
4.2 Indicações de Remoção Endoscópica ou Cirúrgica
A decisão pelo tratamento invasivo depende do potencial de malignidade:

📌 GISTs e Tumores Neuroendócrinos

Lesões >2 cm: Indicação de ressecção devido ao risco de malignidade.
Lesões <2 cm com crescimento documentado: Avaliação caso a caso.
📌 Técnicas de Ressecção

Ressecção Endoscópica da Mucosa (REM): indicada para lesões na camada submucosa.
Dissecção Endoscópica da Submucosa (ESD): utilizada para tumores neuroendócrinos bem diferenciados.
Ressecção Endoscópica de Espessura Total (EFTR): técnica inovadora para remoção completa de lesões subepiteliais.
Laparoscopic-Endoscopic Cooperative Surgery (LECS): combinação de endoscopia e laparoscopia para ressecção de tumores mais profundos.
5. Condução Clínica e Algoritmo de Manejo
📌 Conduta sugerida para lesões subepiteliais do trato digestivo:

1️⃣ Lesão <1 cm, assintomática, sem sinais suspeitos na EUS:

Seguimento clínico com endoscopia em 12 meses.
2️⃣ Lesão 1-2 cm sem sinais de malignidade na EUS:

Acompanhamento com EUS a cada 6-12 meses.
3️⃣ Lesão >2 cm ou com sinais de risco na EUS:

Indicação de punção aspirativa e avaliação para ressecção.
4️⃣ Lesões ulceradas ou com crescimento documentado:

Tratamento definitivo com ressecção endoscópica ou cirúrgica.
A abordagem multidisciplinar entre gastroenterologistas, endoscopistas e cirurgiões é essencial para otimizar o manejo desses pacientes.

6. Considerações Finais
Lesões subepiteliais representam um desafio diagnóstico na prática gastroenterológica. Embora a maioria tenha caráter benigno, a identificação precoce de neoplasias como GISTs e tumores neuroendócrinos pode alterar significativamente o prognóstico.

O uso da ecoendoscopia, aliado a técnicas endoscópicas avançadas de ressecção, tem permitido um tratamento cada vez mais preciso e menos invasivo, reduzindo a necessidade de procedimentos cirúrgicos extensivos.

Sobre o Instituto Mevy e o Dr. Arturo Bonin
O Instituto Mevy é uma instituição dedicada à pesquisa, ensino e inovação na área da gastroenterologia e endoscopia digestiva. Fundado pelo Dr. Arturo Bonin, referência na área, o Instituto tem como missão disseminar conhecimento científico atualizado, capacitar profissionais da saúde e oferecer suporte técnico para avanços no diagnóstico e tratamento de doenças gastrointestinais.

O Dr. Bonin é reconhecido internacionalmente por sua atuação em endoscopia terapêutica e ecoendoscopia, sendo um dos pioneiros na aplicação de técnicas minimamente invasivas no manejo das doenças do trato digestivo.

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